Toponímia

 

 

A toponímia de Sapiões

2012-06-11 21:34

 

    A pedido do Jorge e por amor às nossas raízes, proponho-me escrever sobre alguns aspectos de matriz etnográfica e histórica. Hoje começo por referir alguns nomes de lugares que têm um elevado valor toponímico. Com efeito, os nomes antigos são essenciais para a interpretação histórica. Eles indicam um caminho e denunciam determinada realidade. Então vejamos alguns topónimos da nossa terra:

    - Crasto ou castro, castelo, gramual, souto (ou soito), carral, portela, riango (ou reguengo), carreira, casas, muro, agudeiros (ou aguadeiros), lagoeiro, cabrizes, cabrianças, barrocal (ou barroncal), seara, fulcas e folgueiras, coto, torgal, etc.

    Tratam-se de nomes correntes que fazem parte do nosso quotidiano e das anteriores comunidades que nos antecederam. Todas elas dizem algo mais. São relíquias intemporais e retratam aspectos da vida desta terra em pelo menos cinco milénios como é o caso do topónimo "gramual" e até "balboa". Nos dois casos a relação é estabelecida com túmulos megalíticos, muito associados às primeiras formas de sedentarização no nosso território, isto é, quando os nossos antepassados começaram a praticar algumas formas de agricultura.

    Assim, o "segundo contributo" versará sobre esta temática. Assim tenha tempo! Um abraço. 

Alberto Tapada 

 

    A Serra do Alvão, em cuja encosta se enquadra Sapiões é considerada uma das montanhas onde o megalitismo mais se evidencia em Portugal. Na freguesia de Mondrões existiram sepulturas ou mamoas (devido à forma de mama que evidenciam), no lugar das Areias (que muitas vezes associamos erradamente a Arrabães). O Gramual terá sido o local de uma grande mamoa ou o conjunto de várias sepulturas. Habitualmente estas eram alinhadas de  nascente a poente, respeitando a ancestral ligação ao movimento solar. Tal como as nossas igrejas!

    O topónimo Balboa indicia, a meu ver, uma outra localização destes monumentos funerários. Estes situavam-se em espaços planálticos, o que se enquadra perfeitamente nos contextos desses terrenos. Embora fora da nossa freguesia, o lugar das Muas, a caminho de Lamas de Olo, atesta esta existência alargada de sepulturas, algumas gigantescas. À entrada de Quintã, no vale da Campeã, ainda perdura uma destas mamoas, antas ou madorras, como é habitual chamar-se.

    Continuando no tempo, surgiram nos cabeços de meia encosta, modelos de organização de povoados, geralmente ligados à Idade do ferro (3 000 anos antes do nosso tempo), que já dominavam a tecnologia dos metais trazida por povos Celtas que chegaram à nossa região (onde os instrumentos utilizados eram ainda de pedra, de madeira e de osso). Estes povos revolucionaram a tecnologia militar (pela inclusão de armamento moderno e eficaz), os utensílios domésticos, a joalharia, etc.

    Estes povoados eram fortificados, com fossos e muralhas, localizavam-se em sítios privilegiados, com boa visão da sua envolvente. Aí habitavam grupos familiares, unidos por uma ancestralidade comum. O nosso crasto ou castro, indicia a localização de um desses povoados, embora até hoje não tenha sido localizado, pese embora um conjunto de outros indicadores que poderão vir a evidenciar outros elementos curiosos.

    O mesmo se passa com o "castelo", entre Sapiões e Gulpilhares, onde ainda são evidentes todos os elementos identitários dos povoados castrejos (calçada, fossos, restos de habitações, fragmentos cerâmicos ...), apesar do seu ancestral uso como pedreira, destruindo-se, por isso muitas das suas estruturas. 

    Mas, se observarmos a paisagem envolvente "até onde os olhos alcançam", poderemos ver castros ou restos deles, em Mondrões, em Agarez (recentemente destruído), em Arnadelo, em Abaças, em S. Tomé do Castelo, na Vila Velha, na margem oposta ao complexo desportivo do Monte da Forca, etc. Refiro estes exemplos para se ter a ideia do elevado número daqueles povoados que acabaram por ser dominados pela ocupação romana que veio impor uma nova ordem, uma nova língua e sobretudo a modernização do território, das vias, pontes, estalagens e a regulamentação do direito, em cujo modelo assenta ainda hoje a relação entre as pessoas e o funcionamento da justiça.

Alberto Tapada.

 

 

Na nossa terra figuram também nomes tais como: Cabrizes, Cabrielo e Cabrianças (lugar onde a tradição dizia haver um poço que tinha o comprimento de uma corda de carro de bois!). Eles são o testemunho da proliferação de cabras. Aliás, a vezeira era antigamente muito generalizada, estando historicamente comprovada. Esta forma de pastoreio, consistia na responsabilidade colectiva de guardar nos terrenos baldios os gados da aldeia, mediante o número de cabeças que cada casa possuía. Ainda há em Sapiões quem se lembre desse ancestral costume!
A produção de castanha era também muito abundante. Ela era chamada a "árvore do pão", pois nela assentava muito da gastronomia de subsistência de então. Basta lembrar que a introdução do cultivo do milho se verificou apenas nos séculos XVII e XVIII, pois trata-se de um cereal proveniente da América Central que se expandiu na Europa depois das descobertas, tal como a batata, o feijão e as  abóboras. Com efeito, das castanhas fazia-se farinha, tal como com das bolotas e ainda persiste em alguns lugares da montanha, do lado do Marão a produção de "falachas" que hoje são uma verdadeira iguaria. Cozidas, assadas, em caldo (depois de secas em caniços), em cozidos com carne de porco, muitas eram as formas de utilização deste produto. Os soutos do Riango (que já delimitavam na idade média os limites de Sapiões com Sirarelhos), o Soito (debaixo do Enxertado) e que se estendia até à Portela, o Soito do Meio, sobre a Ribeira e o Soito Quelbro, cuja mancha de castanheiros se estendia pelas Regadinhas, até debaixo do café Ramalho e os muitos castanheiros de Gulpilhares, comprovam o valor inegável desta cultura no passado. Aproveito para sugerir que um velho castanheiro existente no Souto Quelbro, fosse classificado e declarado pela Junta de Freguesia, como um bem a proteger. Não é por nada, mas estamos perante o ser vivo mais antigo de Sapiões e merece respeito. Ao longo de centenas de anos assistiu ao desenrolar da história da nossa comunidade. E é bonito!

 

 
 
 
 
 
Não pretendendo ser exaustivo e porque esta matéria é muito variada, o que testemunha o valor patrimonial e histórico da nossa Terra, irei proceder à apresentação de alguns topónimos mais relevantes:
- Agudeiros ou Aguadeiros e Lagoeiro, identificam terrenos onde existe muita água. E o Bicheiro e a Veiga, têm estes nomes derivados à humidade do solo, que no primeiro caso propiciava a multiplicação de má bicharada na terra, geradores de maleitas e de culturas fracas. A Veiga corresponde a terreno mais profundo e mais fértil, bem enquadrada com o Ribeiro do Moinho.
- Bouça do Abade era pertença do Abade de Mondrões e é um termo "importado" de Entre-Douro-e-Minho onde é de uso corrente para identificar um monte, como se diz por cá! Não se estranhe o termo, pois, os Visitadores do clero vinham por norma de Braga e eram portadores da nomenclatura Minhota.
- Riango ou Reguengo era uma propriedade do rei e, no caso de Sapiões, ele é referido em documentos antigos, como os leitores deste site sabem.
- Os terrenos de "seco" eram tradicionalmente cultivados com centeio. Os incêndios vieram em muitos lugares evidenciar antigos muros de calços, outrora usados para esta cultura, como por exemplo na Gandarela, na Fraguinha, nos calços da Leira Nova, do Barreiro, das Fulcas, e muitos mais! O lugar da Seara é um exemplo dessa produção e é aquele que melhor exprime a sua natural vocação cerealífera!
- As Eiras eram o lugar de exposição de cereais ao sol (milho, feijões, centeio e até palha). A Eira da Fraga era comunitária. A de Cima e a de Baixo (hoje propriedade do Joaquim ferreiro). Havia outras, na Portela, nas Cortinhas, na Quinta do fundo de Sapiões onde vivia a madrinha Mariana (mãe do Sr João), a eira do Mourão, adaptada à actividade de carpintaria, onde eram feitos os mais belos carros de bois de todo o Alvão. Esta parte justificava um texto! Mas os cereais também eram secos nos terreiros, nos pátios, nas varandas e nos pequenos quintais anexos às casas, como acontecia no lugar onde mora o Sr António Capelas, o Tapada, o Zé da Leonina, o Zé das Poças. etc. Mas mais curioso era o lugar da Eirinha, junto à casa do Albano e que veio a dar a alcunha ao João da Eirinha, primo de outro Eirinha, morador na Igreja. Voltarei um dia a falar das alcunhas bem curiosas, às quais por norma reagimos mal. Esperamos que ninguém as venha a ler!